Muitos na data de hoje fazem retrospectiva do ano, seria retrospectiva 2020, porém nos meus 27.815 dias de vida, achei por bem falar um pouco sobre esse período, ouvindo a música do Grupo Titãs. Não, não estou pensando que vou morrer no próximo ano, mesmo porque esse é um segredo que mantemos por toda a vida, visto que ninguém até hoje descobriu a data de sua morte, a menos que pratique o suicídio, coisa que abomino veementemente, pois nossa vida, nesse caso, não nos pertence.
Você deve estar pensando que vou escrever 50 páginas, pelo tempo que já vivi, fica tranquilo, eu perdi muito tempo nesta vida, com bobagens, então, o resumo do que fiz até hoje é muito menor do que o que poderia ter feito. Mesmo tendo superado muitos obstáculos, eu deveria ter agido diferente, deveria ter ouvido mais, ter falado mais, ter "brigado" mais, assim poderia deixar aos meus descendentes e àqueles com quem convivo um legado muito mais robusto.
Nascido na zona rural do Município Mineiro de Barão do Monte Alto, sou o sexto filho de uma família de 5 homens e 1 mulher. Minha mãe ficou órfã ao nascer, com isso foi criada com parentes do meu avô. Eram 4 filhos, cada um foi criado por um parente, e, segundo as más línguas, as terras que meu avô possuía, desapareceram, ou foram incorporadas a alguma fazenda de determinado parente.
Tendo morado na roça até os 10/11 de idade, aprendi muito com meu pai e meus irmãos mais velhos. Me lembro que nos desfiles de 7 de setembro na escola, todos iam de uniforme novo, inclusive de sapatos, mas eu não tinha esse privilégio, ia descalço levando uma bandeirinha do Brasil colada num palito, a única coisa que meu pai conseguia comprar. Só calcei um sapato quando tive condições de comprar com meu próprio dinheiro, aos 12 anos de idade. Isso me revolta? De forma alguma, foi uma experiência que me ajudou a ter objetivos, buscar alternativas, ler e pesquisar muito em jornais e revistas usadas, que seriam jogadas fora e eu as levava para casa e descobria o mundo através das letras. Enquanto os filhos de fazendeiros viajavam nas férias para outras cidades ou estados, eu ficava ali ouvindo a conversa dos estudantes que vinham passar férias com suas famílias ou parentes. Com isso ia descobrindo que o mundo não era só aquele "mundinho", mas um mundo enorme que um dia eu poderia conquistar, só dependia de mim. Alguns desses estudantes até conversavam comigo sobre vários assuntos e me incentivavam a buscar coisa melhor fora daquele lugar, tão pequeno e cheio de gente igual a mim. Até uma cartilha da UNE eu recebi de presente, já pensavam em doutrinar os jovens carentes para no futuro seguirem o caminho dos jovens de Cuba, já praticamente doutrinados, culminando com a tomada do poder em 1959, por Fidel Castro. Tudo isso eu lia nos jornais e revistas velhas que me davam para ler. Naquela época a televisão não existia no interior do Brasil, apenas rádio AM, que tinha programas como as televisões de hoje. Haviam programas de auditório, novelas, jornais e "A Voz do Brasil" às 19 horas, depois disso todo mundo ia dormir.
Eu, ao contrário dos meus irmãos, consegui terminar o Curso Primário, quarta série do ensino fundamental hoje. Por sorte o Governo de Minas criou o Curso Ginasial na minha escola e eu pude me matricular e fazê-lo à noite, porque durante o dia tinha que trabalhar. Foi muito difícil porque os materiais do curso eram caros, para quem era pobre, aí o sacrifício foi ainda maior. Terminei o Ginásio na primeira turma, éramos 5 alunos dessa primeira turma, eu e mais 4 colegas, mulheres. A Professora Zilma Xavier de Souza até hoje, quando se refere à minha turma, diz que sou "bendito é o fruto entre as mulheres". Que bom, pelo menos consegui quebrar essa barreira.
Terminado o Ginásio, me mudei para outra cidade para fazer um curso técnico de ensino médio, coisa rara para quem era pobre naquela época. Consegui fazer o primeiro ano, mas depois as coisas se complicaram e tive que parar.
Novamente mudei de cidade, desta vez indo para Mogi das Cruzes, no Estado de São Paulo. Ali consegui emprego, me casei e tive dois filhos, então fiz uma retrospectiva da minha vida até então e percebi que precisava voltar a estudar para dar um futuro melhor para eles. Fui buscar escola de ensino médio, tentando dar continuidade ao curso técnico que fazia antes, mas meu trabalho era no segundo horário, ou seja, começava as 14 horas e ia até às 22 horas, mesmo horário do curso, então resolvi fazer um curso no período da manhã, me matriculei no Curso de Formação de Professor Primário (Magistério). Coincidência ou não, terminei o curso com 5 alunos, sendo eu e mais 4 mulheres. Desta vez não participei da formatura e nem tirei fotos, porque seria uma repetição de fatos em fotos.
Terminado o ensino médio busquei uma Faculdade e em 1977 me formava em Direito na Universidade Braz Cubas de Mogi das Cruzes. Como já era Gerente Administrativo de uma grande empresa, não segui a carreira jurídica, optando por continuar como empregado dessa Organização, cuja experiência me deu oportunidade de trabalhar em várias cidades pelo Brasil .Tive mais duas filhas, ficando com 1 filho e 3 filhas. Hoje, dezembro de 2020, tenho 9 netos e 3 bisnetos, que são minha alegria de viver. Quando disse que resolvi estudar para dar melhores condições aos meus filhos, foi válido, pois, todos fizeram faculdade e estão dando aos meus netos os mesmos destinos, inclusive mostrando a eles que o Mundo é bem maior do que o Brasil.
Para não alongar muito, deixo aqui uma sugestão aos mais jovens, usando a música dos Titâns. Não deixem de ousar, questionem, briguem por seus objetivos, não se submetam a nenhuma doutrinação de orientação política, ou religiosa, sejam autênticos, estudem o quanto puderem, usem seus recursos para viajarem e conhecerem outras culturas, amem suas famílias, mas não se prendam a elas em prejuízo do seu futuro. Hoje conheço várias partes do Brasil e algumas partes do mundo, mas se tivesse ousado mais poderia ser muito diferente.
Aquela criança pobre, lá da roça em Barão do Monte Alto, é hoje uma pessoa que pode dar exemplo de superação, pena que ninguém quer ouvir história, principalmente o jovem. Se o jovem ouvisse os mais experientes, hoje eu seria outra pessoa. Não tenho bens materiais, apenas o necessário, mas tenho uma vida vivida de amor ao próximo e de conhecimento que poucos de origem semelhante conseguiram.
Tem muito orgulho de ser sua companheira, a cada dia aprendo mais e mais com jeitinho carinhoso de mostrar que o impossível é possível bastar querer.
ResponderExcluirE é dessa forma que tenho vivido meus dias ao seu lado, sempre com novos aprendizados.
Bela História de superação e conquista.
ResponderExcluirAdmiro a forma como escreve e registra suas lembranças.
Agradeço pelo registro.
É muito interessante como a vida nos vai moldando. Conforme aprendemos com os desafios vamos nos aperfeiçoando.
ResponderExcluirO problema é que às vezes nos esquecemos de tantas superações e nos concentramos nos desafios ainda não vencidos.
E um meio de preservarmos estas lembrança é o registro como você tem feito.
Memória e histórias admiráveis.